O SILÊNCIO DO ‘METRALHA’
Beni Galter - Sta. Bárbara
D'Oeste
Dia destes fomos surpreendidos
com uma edição do Jornal da Globo: havia morrido o cantor
Nelson Gonçalves aos 78 anos de idade.
Este ano de 1998 já nos levou dois dos cinco maiores cantores brasileiros
de todos os tempos: Silvio Caldas e, agora, Nelson Gonçalves.
Com o desaparecimento de Nelson, o último dos grandes, encerra-se
um ciclo de ouro na nossa música popular, sem possibilidades de
volta.
Francisco
Alves, Orlando Silva, Carlos Galhardo, Vicente Celestino, Gilberto Alves,
e agora Nelson Gonçalves completam o quadro de grandes cantores,
de voz possante, que por muitos anos foram a alegria do povo brasileiro.
Nelson vendeu 52 milhões de discos durante sua fantástica
carreira, tendo recebido 20 discos de platina e 40 discos de ouro.
Adelino Moreira foi o compositor que mais se identificou com Nelson Gonçalves,
para quem compunha desde 1952. A ‘Volta do Boêmio’ de Adelino, vendeu
mais de 1 milhão de cópias quando foi lançado em 1956,
chegando depois a 2 milhões de cópias.
É de Adelino Moreira também a música ‘Última
Seresta’, que Nelson confessou ser a música com que gostaria de
ser lembrado. Gravou de Adelino Moreira um total de 332 canções.
Nelson Gonçalves nasceu a 21 de junho de 1919, tendo, portanto 78
anos de idade, e 58 anos de carreira como cantor. Seu verdadeiro nome é
Antônio Gonçalves Sobral, sendo ele recordista nacional de
gravações em LP, tendo gravado 114 discos superando o cantor
Elvis Presley, com 63 LPs gravados.
Filho de imigrantes portugueses oriundos da cidade de Vizeu, Nelson nasceu
em Santana do Livramento, Estado do Rio Grande do Sul.
‘Seo’
Manoel, o seu pai, tocava violão e cantava em dueto com a mulher.
Quando chegaram ao Brasil, já tinham um filho; o Joaquim, que chegou
a gravar alguns discos como cantor de fados.
Os pais de Nelson trouxeram de Vizeu a tradição de cantores
ambulantes. Já morando em São Paulo, saiam de manhãzinha
de casa e se dirigiam às ruas do Brás, nas feiras livres,
praças públicas e após cantarem ‘passavam’ o pires.
Deste espetáculo participavam toda a família - ‘seo’ Manoel,
a esposa, Joaquim, e o Nelson; ainda garotinho. ‘Seo’ Manoel havia fabricado
um violão no qual se acompanhava, e este violão tinha 9 cordas
em vez das 6 cordas normais - três delas eram bordões ( a
corda mais grossa, de som grave ) e cantava músicas do cantor paulista
Paraguassu.
O
garoto Nelson tinha nesta época 6 anos de idade, e cantava em cima
de caixote, fazendo força para merecer os 400 Réis que o
pai lhe dava após o dia de apresentações.
Quando foi fazer um teste na P.R.A.5 - uma emissora situada à Rua
7 de Abril em São Paulo, o maestro Gabriel Migliori tinha diante
de si um jovem de apenas 19 anos, mas com uma experiência de 12 anos
como cantor. O teste foi bom, e a estréia foi marcada para daí
a alguns dias embora o maestro estivesse preocupado com a forma ‘apressada’
de falar do novo cantor, achando que este fato poderia interferir no resultado.
E estréia aconteceria num programa chamado ‘Teatro Alegre’, sob
o comando de Aurélio Campos. Quando o Regional do Rago deu a introdução
pela terceira vez, e o cantor não entrou, Aurélio Campos
foi obrigado a ‘justificar’ alegando a transferência da estréia
para outra oportunidade em face ao grande nervosismo do estreante. Nelson
estava tão apavorado que a voz não saía, nem depressa
e nem devagar. Ficara mudo de medo.
Em 1939, com o rádio brasileiro em fase de grande euforia, Nelson
desembarcava no Rio de Janeiro em busca de uma oportunidade. Orlando Silva
estava em pleno apogeu, vendendo milhares de discos e fazendo um sucesso
estrondoso. Nelson, com características vocais semelhantes à
Orlando, naturalmente passou a imitá-lo. Lutou muito e seu primeiro
contrato no rádio carioca aconteceu com a Mairynk Veiga, graças
à grande ajuda e o apoio que Nelson recebeu do cantor Carlos Galhardo,
além do flautista Benedito Lacerda.
O primeiro disco de Nelson Gonçalves foi a valsa ‘Se eu pudesse
um dia’, com a gravadora R.C.A. Victor, ganhando 600$000 Réis por
mês, e mais 100 Réis por disco vendido.
Em
1952 Nelson começa a gravar músicas de Adelino Moreira, de
quem gravaria uma série enorme de sucessos, incluindo ‘A Volta do
Boêmio’, gravada em 1956, e que vendeu dois milhões de cópias.
Sem sombra de dúvidas, Nelson Gonçalves foi, e talvez hoje,
ainda seja um dos maiores cantores do Brasil de todos os tempos.
Na
Rádio Nacional do Rio de Janeiro, no ano de 1952, Nelson Gonçalves
conheceu um compositor de quem gravaria mais de 370 músicas. Este
compositor era Adelino Moreira.
A partir deste encontro Nelson Gonçalves iria inaugurar uma nova
fase de sua já tão brilhante carreira. Iria se libertar definitivamente
da influência que sofria de Orlando Silva, criando através
das músicas de Adelino seu estilo definitivo.
A Volta do Boêmio, composta por Adelino Moreira, e gravada por Nelson
Gonçalves em 12 de outubro de 1956, iria vender a espantosa quantia
de dois milhões de discos.
Era
a embriaguez do sucesso, a consagração definitiva do rei
do rádio, como era chamado.
Havia no Brasil todo uma verdadeira febre de realizações
e de novidades. O cinema e o teatro estavam em efervescência. Inventamos
a bossa-nova, inauguramos Brasília, inauguramos a TV Tupy. Ganhamos
a copa do mundo no futebol.
Nelson Gonçalves ia vivendo a vida e fazendo muito sucesso.
Recebeu de sua gravadora, a R.C.A. Victor, a fortuna de CR$ 733.000 cruzeiros
de direitos fonográficos. Era uma enorme quantidade de dinheiro
para a época. Mas Nelson já tinha 5 filhos para cuidar. Ele
sempre dizia: ‘É mais fácil sustentar 10 filhos que um único
vício.’ Parece que estava adivinhando ...
Do êxtase, onde se encontrava, à queda foi um tombo fácil.
Em 1955, sua interpretação da música ‘Meu Vício
é Você’, também composição de Adelino
Moreira, já era um prenúncio sombrio dos anos negros que
se aproximavam, com drogas, ciúme, e até cadeia iriam operar
com grande transformação no cantor Nelson Gonçalves.
Nelson Gonçalves entrou na fase negra de sua vida no dia 5 de maio
de 1966, quando fora preso em flagrante, em casa, diante dos próprios
filhos como viciado em droga.
Segundo
depoimento emocionado da sua esposa, D. Maria Luiza, quando Nelson foi
preso, tinha 10 gramas de cocaína em casa, mas na versão
dela, seria usada para o tratamento que fazia para se libertar da droga.
Nelson Gonçalves foi recolhido à Casa de Detenção
de São Paulo acusado de uso de entorpecentes. Foi um escândalo
nacional.
Alguns
dias depois, a direção do presídio recebeu um abaixo
assinado dos 3.000 presidiários, onde eles pediam que suas penas
fossem aumentadas em um dia cada um, e que em troca Nelson Gonçalves
fosse libertado.
Durante o banho de sol, naquele dia, mais de 3.000 vozes emocionadas dos
presidiários entoavam ‘A Volta do Boêmio’, que de forma dramática,
ecoava pelos corredores tristes do presídio.
Nelson e Maria Luiza pedem ajuda ao palácio Pio XII, na benção
do Arcebispo de São Paulo, D. Paulo Evaristo Arns. Pedem também
através do seu advogado, proteção ao general Costa
e Silva "que pelo amor de Deus que o exército estendesse suas asas
protetoras sobre Nelson", verdadeiro patrimônio nacional, que lutava
de forma desesperada para se livrar da droga.
No
ano de 1968, Nelson Gonçalves era um farrapo humano.
Não
mais cantava, e praticamente não mais vivia. As portas antes escancaradas
para sua passagem, agora se fechavam na sua cara.
Sua luta para livrar-se da droga durou 4 meses. Trancou-se no quarto escuro
e, numa batalha mortal, começou uma luta sozinho, ajudado unicamente
pela sua esposa, D. Maria Luiza.
Nelson
começa a viver o inferno medonho que vivem todos os viciados em
droga quando resolvem curar-se sem ajuda de ninguém.
A travessia do inferno, com seu círculo de horrores, foi finalmente
vencida, e Nelson Gonçalves deu a volta por cima.
Para provar que estava recuperado, organiza uma luta exibição
com o campeão mundial de boxe, Éder Jofre, no Ibirapuera
em São Paulo.
A volta de um cartaz nacional como Nelson Gonçalves não seria
assim tão simples.
Encontrou muita dificuldade, muita má vontade.
Mas encontrou também muitos amigos sinceros, como Silvio Santos,
por exemplo que, ao ser informado da volta de Nelson, disse ao seu pessoal
do SBT: ‘Se o Nelson voltou a cantar, contratam o homem. Não estamos
aqui para julgar ninguém. É o maior cantor do Brasil’.
Nelson Gonçalves morreu na noite de 18 de Abril, um sábado,
na cidade do Rio de Janeiro.
Santa
Bárbara d’Oeste, 28 de Abril de 1998
Beni
Galter
Beni Galter
é radialista e empresário.
Reside
em Santa Bárbara D'Oeste, Estado de São Paulo. |